Janeiro, época para renovar as esperanças de que o ano que se inicia seja melhor. Espero, sinceramente, que você tenha um ano maravilhoso! Mas com o que tem ocorrido nos primeiros dias de 2025, infelizmente não consigo ser muito otimista com o que aparenta vir pela frente.

Dois homens em um balcão de bar. Um deles desanimado diz 'Que ano hein?'. O outro responde 'Capitão, é 15 de Janeiro!'
Fonte: Vem ni mim, 2025

Nos primeiros dias do ano, Mark Zuckerberg fez um anúncio bizarro sobre mudanças na moderação de conteúdo das redes sociais da Meta: Facebook, Instagram e Threads. Sob a desculpa de “diminuir a censura”, a Meta deixará de fazer checagem de fatos, que será substituído por um modelo de “notas de comunidade”, similar ao que ocorre no X/Twitter. Belo exemplo que a Meta pretende seguir: o X/Twitter, que virou uma terra sem lei depois que foi adquirido por Elon Musk! O problema é que as redes sociais da Meta têm um alcance muito maior que o X/Twitter e isso só vai servir para disseminar (ainda mais!) fake news, discurso de ódio, intolerância, preconceito, etc.

Charge mostrando Zuckerberg mudando o nome de Facebook para Fakebook
Fonte: https://x.com/cesarcalejon1/status/1877816922768564570

Ele também anunciou uma “parceria” com o governo de Donald Trump em nome da “liberdade de expressão” e contra a “censura” na Europa e na América Latina, que segundo ele, estariam dificultando a “inovação”. Claro que isso foi uma indireta para o Brasil, que é um dos países que tem tentado conter a atuação sem limites das redes sociais. É simplesmente um absurdo uma mega corporação privada de um outro país querer impor ao resto do mundo sua visão de “liberdade de expressão” (que para eles é poder mentir livremente). Aparentemente, para eles “inovar” é ter permissão para fazer o que quiser, mesmo que isso signifique desrespeitar as leis de outros países.

Mas a coisa só foi piorando. Nos dias seguintes, a Meta anunciou que vai terminar seu programa de diversidade, equidade e inclusão, eliminando a função de diretor de diversidade e encerrando as suas metas de contratação de diversidade que exigiam o emprego de um certo número de mulheres e minorias.

Além disso, a Meta também mudou sua política de discurso de ódio:

A nova política de moderação de conteúdo da Meta, já em vigor no Brasil, passou a permitir conteúdos considerados criminosos de acordo com a lei do país, como expressões de supremacia racial e de preconceito religioso. Frases como “os brancos são os melhores” e “eu odeio negros” estão entre as autorizadas a circular no Instagram e no Facebook.

Participando de um podcast e numa tentativa patética de se mostrar mais alinhado ao público apoiador de Trump, Zuckerberg disse que as empresas precisam de mais “energia masculina” (eu adoraria saber o que as mulheres que trabalham lá acham disso):

Mark Zuckerberg lamentou o aumento de empresas “culturalmente castradas” que buscaram se distanciar da “energia masculina”, acrescentando que é positivo se uma cultura “celebrar um pouco mais a agressividade”

Painel 1: Mark Zuckerberg está no palco em uma reunião geral da Meta, usando uma pequena corrente e uma camisa que diz 'Cara Legal'. 'Acho que nossa empresa poderia usar mais Energia Masculina', ele diz em um microfone. Na multidão, um funcionário levanta a mão. 'Com licença, Sr. Zuckerberg', a pessoa pergunta. Painel 2: A pessoa se levanta, perguntando: 'Por 'Energia Masculina', você quer dizer uma definição madura onde homens no poder usam sua força relativa para proteger e elevar os menos privilegiados?' Painel 3: A pessoa continua, '...ou uma definição mais infantil onde homens no poder são livres para serem agressivos e prejudicar os outros sem serem responsabilizados?' Painel 4: Zuck fica em silêncio por um momento. Painel 5: 'Vocês estão todos demitidos', ele diz.
Fonte: https://bsky.app/profile/kevinmcshane.org/post/3lg5jnvxzpc25

Oligarcas da tecnologia

A verdadeira questão é que as Big Techs, principalmente as redes sociais da Meta, X/Twitter e Google, mas sem esquecer a Amazon, Apple, Microsoft e OpenAI, têm se sentido cada vez mais acuadas nos últimos tempos, pois vários países estão discutindo regulações para atuação delas.

A maioria das redes sociais atuais estão longe da ideia inicial de quando surgiram, que era de conectar as pessoas e permitir saber o que estava acontecendo em nossos círculos sociais. Atualmente, essas redes viraram disseminadoras de conteúdos de pessoas que muitas vezes nem conhecemos ou seguimos, mas que são recomendados por algoritmos que privilegiam assuntos “polêmicos” e extremistas, com o objetivo de aumentar o “engajamento” e, consequentemente, seus lucros. Na prática, essas empresas querem continuar ganhando muito dinheiro sem serem importunadas, sem se importarem ou serem cobradas pelas consequências e problemas sociais que elas causam. E agora, essas empresas têm como aliado Donald Trump. O novo presidente dos EUA e seus apoiadores são totalmente contrários a qualquer tipo de controle sobre o conteúdo propagado nas mídias sociais (desde que não seja conteúdo que os prejudique, é claro!), o que facilita a divulgação de mentiras, racismo, homofobia, xenofobia, misoginia, teorias da conspiração e conteúdos negacionistas, que beneficiam essa turma. Em outras palavras, juntou a fome com a vontade de comer.

O Brasil, há tempos, já sente o poder de influência dessas empresas agindo contra a regulação por todos os meios, alguns até um tanto anti-éticos. Basta lembrar que em 2023, quando o Projeto de Lei conhecido como PL das Fake News que visava regular as Big Techs estava para ser votado, o Google chegou a publicar explicitamente um link na página principal do seu sistema de buscas sobre “os perigos da PL das Fake News”, que levava para uma página contendo várias críticas ao projeto. Em 2024, o X/Twitter chegou a ficar inacessível no Brasil por descumprir a legislação brasileira. Agora em Janeiro de 2025, Google, X/Twitter, TikTok e Meta não enviaram representantes para a audiência pública promovida pela AGU - Advocacia Geral da União para discutir o assunto de regulação, demonstrando que não estão nem um pouco interessadas no assunto.

Zuckerberg e companhia possuem uma visão bem peculiar de “liberdade de expressão”. Eles supostamente defendem o direito das pessoas falarem o que quiserem (mesmo que seja algo criminoso), mas não toleram quando o que é publicado vai contra suas vontades ou interesses. O jornal The Whashington Post, cujo dono é Jeff Bezos, decidiu não publicar seu apoio na campanha para presidente dos EUA. Detalhe: o apoio seria dado a Kamala Harris, oponente de Trump na eleição, e foi vetado pelo próprio Bezos:

Um endosso a Harris havia sido redigido pelos funcionários da página editorial do Post, mas ainda não havia sido publicado, de acordo com duas pessoas que foram informadas sobre a sequência de eventos e que falaram sob condição de anonimato porque não estavam autorizadas a falar publicamente. A decisão de não mais publicar endossos presidenciais foi tomada pelo proprietário do The Post, o fundador da Amazon Jeff Bezos, de acordo com quatro pessoas que foram informadas sobre a decisão

Ann Telnaes, cartunista do jornal, decidiu então fazer a charge abaixo, que mostra Jeff Bezos, Mark Zuckerberger, Sam Altman (da OpenAI), Patrick Soon-Shiong (do jornal LA Times, que também vetou a publicação do apoio do jornal a Kamala Harris) e Mickey Mouse (representando Walt Dysney Company) curvando-se e oferecendo dinheiro para Trump.

Jeff Bezos, Mark Zuckerberger, Sam Altman (da OpenAI), Patrick Soon-Shiong (do jornal LA Times, que também vetou a publicação do apoio do jornal a Kamala Harris) e Mickey Mouse (representando Walt Dysney Company) curvando-se e oferecendo dinheiro para Trump

A charge foi vetada e ela então decidiu deixar o jornal, com a seguinte justificativa:

Como cartunista editorial, meu trabalho é responsabilizar pessoas e instituições poderosas. Pela primeira vez, meu editor me impediu de fazer esse trabalho crítico. Então, decidi deixar o Post. Duvido que minha decisão cause muito rebuliço e que seja sentida porque sou apenas uma cartunista. Mas não vou parar de manter a verdade do poder por meio dos meus cartuns, porque, como dizem, “A democracia morre na escuridão”.

Essas empresas cresceram demais, tornaram-se mega corporações, muito ricas e poderosas. Elas formam uma oligarquia da tecnologia, ou seja, um governo de poucos, que influenciam a política e o governo de forma significativa. Oligopólios, em outras palavras. O Google comanda 90% do mercado de buscas. Sete em cada dez americanos usam o Facebook. Amazon, Microsoft e Google controlam dois terços das plataformas de Cloud. A Amazon detém 40% do mercado de e-commerce americano. Fonte: The tech oligarchy has been here for years. Os principais executivos dessas empresas sentaram-se em posição privilegiada durante a posse de Trump. E lembre-se que Elon Musk foi cabo eleitoral de Trump e vai trabalhar diretamente com ele. Um clube de bilionários patéticos.

Mark Zuckerberg (da Meta), Jeff Bezos (da Amazon), Sundar Pichai (do Google) e Elon Musk (do X/Twitter)
Fonte: https://bsky.app/profile/sleepinggiantsbr.bsky.social/post/3lg6xxrh7p224

Além de Mark Zuckerberg (da Meta), Jeff Bezos (da Amazon), Sundar Pichai (do Google) e Elon Musk (do X/Twitter), também estavam presentes na cerimônia de posse de Trump, Tim Cook (da Apple) e Sam Altman (da OpenAI).

A ausência ficou por conta de Satya Nadella, CEO da Microsoft, o que deve ter sido algo proposital, apesar da Microsoft também ter feito doações para Trump (assim como para presidentes dos EUA eleitos anteriormente). Coincidentemente, dias depois Bill Gates deu uma entrevista em que criticou Elon Musk, dizendo que é “loucura desastibilizar a política de outros países e apoiar a extrema-direita”, e que os “governos deveriam adotar medidas para garantir que os super-ricos não influenciem suas eleições”.

Se você ainda acha que estou exagerando, leia esse trecho do pronunciamento de despedida de Joe Biden:

Quero alertar o país sobre algumas coisas que me preocupam muito. E essa é a perigosa concentração de poder nas mãos de poucas pessoas ultra-ricas… Hoje, uma oligarquia está tomando forma na América de extrema riqueza, poder e influência que literalmente ameaça toda a nossa democracia, nossos direitos e liberdades básicos, e uma chance justa para todos progredirem…

O presidente Eisenhower falou sobre os perigos do complexo militar-industrial. Ele nos alertou sobre, e eu cito, “O potencial para o aumento desastroso do poder mal colocado”. Seis décadas depois, estou igualmente preocupado com o aumento potencial de um complexo tecnológico-industrial que pode representar perigos reais para o nosso país também

Amazon, Google, Meta, Microsoft, OpenAI e Apple doaram US$ 1 milhão cada para a cerimônia de posse de Trump, sendo que nas eleições anteriores os valores chegaram no máximo de US$ 500 mil.

Gráficos mostrando as doações de 1 milhão de dólares das empresas Amazon, Google, Meta, Microsoft, OpenAI e Apple para a cerimônia de posse de Trump em 2025

E parece que todo esse apoio das Big Techs já está começando a render frutos: poucos dias após a posse de Trump, foi anunciado o projeto Stargate, nova empresa formada pela OpenAI, Oracle, SoftBank (Japão) e um fundo de investimentos do governo dos Emirados Árabes Unidos, que demandará US$ 500 bilhões e promete criar nos EUA a maior infraestrutura de Inteligência Artificial já existente.

Até entendo que grandes corporações queiram fazer média com os presidentes eleitos através de doações, independente do partido que ele faça parte, e isso acontece nos EUA, Brasil e em vários outros países. Mas o mais assustador e perigoso agora é que essas mega coporações estão dispostas a se submeterem e colocarem seu poder, alcance e influência à disposição para uso político de um governo com claras tendências fascistas, desde que isso signifique que elas possam continuar lucrando bilhões e bilhões de dólares, mesmo causando um mal muito grande.

Exagero? Veja o que Mark Lemley, advogado professor de Stanford que abandonou um caso onde representava a Meta devido aos últimos acontecimentos, tem a dizer:

Tenho lutado para saber como reagir à queda de Mark Zuckerberg e do Facebook na masculinidade tóxica e na loucura neonazista.

Desativei minha conta do Threads. A última coisa de que preciso é apoiar um site semelhante ao Twitter administrado por um aspirante a Musk.

E por falar em Musk… veio o gesto abaixo.

Imagem animada de Elon Musk fazendo saudação nazista ao lado de Adolf Hitler fazendo o mesmo gesto

Isso não foi um comportamento isolado. Musk sabia muito bem o que estava fazendo. Desde que adiquiriu o Twitter, ele vem mostrando sua simpatia e apoiando pessoas e conteúdos nazifascistas. Recentemente, ele participou de uma live com a líder do AfD, partido alemão de extrema-direita e reduto de neonazistas. Ele já havia declarado seu apoio ao partido na próxima eleição alemã e também discursou num comício do partido. Em 2024, ele também chegou a incitar uma gerra civil no Reino Unido, devido à vários atos de violência que estavam ocorrendo contra muçulmanos. Se quiser ver outros casos, assista Musk has been backing neo-Nazi parties around the world. Ele também é um dos principais defensores do pró-natalismo, movimento do qual fazem partes vários ultra-ricos da área de tecnologia que defendem o aumento da taxa de natalidade. Mas não o nascimento de qualquer criança. Eles acreditam na “salvação da civilização” tendo crianças geneticamente superiores, que pertençam a uma determinada classe social e étnica. Qualquer semelhança com eugenia não é mera coincidência. Quando o homem mais rico do mundo e outros bilionários resolvem usar seu poder para influenciar o destino político e social de vários países com esse tipo de ideologia e sem nenhum escrúpulo, isso é algo muito preocupante.

Enfrentaremos tempos sombrios pela frente…